13 agosto 2005

Amor está cheio de apelos à razao, Miguel Poiares Maduro

Não há amor sem emoção mas também não há amor sem razão
No amor, a pergunta mais difícil é aquela feita por Jack Nicholson num filme
de Mike Nichols "Se pudesses escolher, preferias amar uma mulher ou ser
amado por ela?". Esta pergunta pressupõe que não há escolha no amor. Não há
escolha porque essa escolha não é feita por nós. Está escrito no destino,
determinado por algo que escapa ao nosso controlo. Sendo incompreensível e
incontrolável, o amor está assim mais próximo do divino (se de Deus ou do
Diabo depende de quem amamos.).
O amor está acima da razão. Mas será a razão totalmente ausente dos assuntos
do coração? No amor não intervém a razão? Nas próximas linhas o leitor
pensará que terei perdido a razão ao defender que no amor há muito mais
espaço para a razão do que as razões do amor por vezes nos querem convencer.
Recentemente duas leitoras acusaram-me de fazer frequentes referências ao
amor viciadas por um excesso de razão e pouca emoção na sua compreensão.
Esta perspectiva é comum a essência do amor é precisamente a sua ausência de
razão (ama-se independentemente da razão e, por vezes, com muito pouca
razão.). Confirmando a separação entre amor e a razão estaria o facto de,
como notou Schopenhauer, sendo a faceta mais importante da vida, o amor ter
sido geralmente ignorado pela ciência. A ciência pode interessar-se pelo
sexo ou pelo desejo, mas quanto ao amor (aquilo que existe para lá do - e
esperemos, também com - o desejo) a única relação com a ciência parece ser a
conclusão de que é tudo uma questão de química. O problema é que isso de
pouco serve quando não se conhece a fórmula certa.
E, no entanto, contrariamente à suposição usual o discurso do amor está
cheio de apelos à razão. Usamos a razão para procurar descobrir se existe
amor (quantas horas passadas a ponderar se a pergunta sobre o que fazemos
amanhã quer dizer que quer fazer algo connosco ou se quer é evitar a todo o
custo ir fazer o mesmo que nós.).Usamos a razão para explicar a falta de
amor "Vê se compreendes, não és tu, sou eu" (ao que dá seguramente vontade
de responder: "Não te preocupes, eu gosto de ti mesmo assim como és!"); ou
"Eu amo-te, mas o momento não é o certo" (porque será então que não dá para
adiar e marcarmos já uma data?). Usamos a razão para nos libertar do amor:
ou idealizando-o ao ponto de o tornar platónico ou transformando o amor em
ódio (quão ténue é a fronteira). Usamos a razão para evitar os compromissos
do amor: "Amas--me? Como pode alguém não te amar." E o que são afinal as
estratégias do amor, se não colocar a razão ao serviço do amor? A promoção
do amor através de estratégias de conquista ou rejeição é um usar da razão
para provocar a emoção.
No entanto, se a razão é usada no amor, a convicção generalizada é que ela
não determina o amor. Ninguém crê num amor justificado pela razão e ninguém
se atreve a exigir ser amado em nome da razão. Em Camille, de George Cukor,
Robert Taylor professa o seu amor por Greta Garbo, dizendo "Nunca ninguém te
amou como eu". Ela responde "Isso pode ser verdade, mas o que posso eu fazer
a esse respeito?". A única conclusão racional resultante da irracionalidade
(e, logo, incontrolabilidade) do amor seria que ele não é fruto de uma
decisão livre e autónoma e, em consequência, não somos por ele responsáveis.
No amor, a razão tem até, frequentemente, conotações negativas "Casou por
interesse ou porque não tinha alternativa" (ambas implicam o uso da razão).
E o pior mesmo é quando alguém começa a elencar as razões para gostar de
nós: os elogios raramente são acompanhados de declarações de amor. Não há
nada mais doloroso que ver o amor substituído pela admiração.
No entanto, se a razão fosse estranha ao amor jamais o amor poderia ser
eterno. O amor como desejo existe, desaparece e reaparece sempre com a mesma
certeza. Num momento amamo-la, um dia mais tarde quem sabe? Na semana
seguinte lamentamos o amor perdido! O amor sem razão não nos deixa dúvidas.
Apenas a razão nos ensina a ter dúvidas sobre as certezas do amor. Se o
nosso amor fosse apenas guiado pela emoção não amaríamos ninguém. Teríamos
apenas desejo. A emoção e o desejo são como a espuma e as ondas do mar é o
que torna navegar excitante mas não decide a direcção do navio. Para o amor
ser eterno (e o amor só faz sentido pensado e vivido como eterno) é
necessária a razão para superar as inconstâncias do desejo. E é também a
razão que alimenta e é capaz de reavivar o desejo: as dúvidas que planta, a
sedução que promove, a imaginação que desperta.
O amor verdadeiro só existe suportado pela razão. Mas não é uma razão
qualquer. Não é uma razão de mercearia em que o amor se transforma numa
lista de compras pela qual verificamos se ela tem ou não os itens a adquirir
(importa passar mais tempo a procurar razões para amar do que a elencar as
razões para não amar). E também não é a chamada razão do bom senso em que
subordinamos o amor a uma certa razão social. Não é a razão dos outros mas a
nossa razão. É uma racionalidade vinculada à emoção. O amor encontra-se
quando a emoção nos diz para seguir a razão. É importante não cair no erro
de achar que apenas existe amor quando ele vai contra a razão. Não há amor
sem emoção mas também não há verdadeiramente amor sem razão. Porque o amor
tem necessariamente uma razão de ser.
O amor é o que sobrevive para lá das dúvidas, suportado pela razão. Como
dizia um outro personagem cinematográfico "Só quero que me ames, com dúvidas
e tudo." Fácil é evocar o coração para não ouvir a sua razão. Fácil também é
escudar-se na razão para fugir ao coração. Difícil e verdadeiramente
romântico é decidir do amor com o verdadeiro uso da razão. Só assim se
encontram as razões do coração. As razões que dita o coração e pelas quais
alguém nos faz perder a razão.
.
Miguel Poiares Maduro

4 Comments:

Blogger pdasilva said...

Volúpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A núvem que arrastou o vento norte...
--- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

Florbela Espanca

9:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sim, o amor está escrito no destino, mas nós é que detemos a caneta...



Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.


abraços, flores, estrelas...

1:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nao ha razao para tanta emocao...
hehehe

9:57 da manhã  
Blogger lpf said...

LC... nao o reconheco na lista da equipa de vista alegre... Miguel Poiares Maduro, tampouco.
Numa busca "googliana" reconheco o dito senhor como professor universitario nas artes do direito.
Dai (da sua docencia), presumo a sua necessidade de racionalizar a emocao. Gostei muito da abordagem, mas ela (a abordagem) leva-me a presumir que esta (a emocao) possa ser simplesmente uma razao (incompreendida)?

3:42 da tarde  

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